13 de Outubro de 1991.
Essa é a data do dia que iniciou o processo de aquilo que as pessoas chamam de "desde que me conheço como gente". É a primeira data significativa de verdade na minha vida, que lembro com clareza do que aconteceu desde então. Não que não me lembre de outras coisas anteriores, como da gata brava que se derretia comigo ou da vez que destrui com gosto uma carteira de cigarros do meu pai. Claro que me lembro, mas não me lembro de data. Na escola aprendemos que devemos memorizar datas importantes e 13 de outubro de 1991 é uma data marcante na minha vida. Uma data em que tomei consciência sobre a vida e a morte, amor e solidão, onde aprendi a observar e chorar pelo ser humano.
Era um dia bonito. Ensolarado. Brincava com as crianças da vizinhança e daí meus tios chegaram. Era recesso do feriado e achei que vieram nos visitar. Até que ouvi minha mãe gritando. Com minhas pernas pequenas cheguei ao quarto onde ela chorava desesperadamente e minha tia a consolava. Não entendi o porque daquilo. Falaram algo, mas disso realmente não me recordo. Apenas estava preocupada de porquê ela estava chorando. Minha tia me puxou pela mão e me deu um banho, seguidamente, arrumou umas mudas de roupa. Apenas participava daquilo sem entender nada. Minha mãe fazia o mesmo, mas chorando efusivamente.
Chegamos ao hospital. Minha mãe falando que queria ver meu tio.
Meu tio tinha 23 anos, um ano mais novo que a minha mãe. Cabo da Aeronáutica por um golpe do destino. Uma namorada que nunca conheci, mas também tem uma história igualmente trágica. Sempre ia visitar a gente e passeava de moto comigo no campo que havia em frente casa. Fazia isso com todos os sobrinhos. Sem dúvida a lembrança mais marcante que guardamos dele. Aquilo era uma aventura para a criança de três anos que eu era e com certeza para todos os meus primos. Foi nesses passeios que aprendi a amar velocidade. E ele sempre fazia leite com chocolate pra mim. Com bastante chocolate. Do jeito que aprendi a gostar.
Mas voltando ao hospital meu tio estava no hospital por velocidade, depois de sair da casa da minha tia em Nova Aurora, após ter recusado passear com meu primo de dois anos e ter enfrentado um violente acidente que causou um traumatismo craniano.
Chegamos no local onde ele estava. Não era ele. A cabeça toda enfaixada, o rosto inchado. Não reconhecia naquela pessoa fraturada o meu tio brincalhão, que tinha o sorriso grudado no rosto. Minha mãe continuava a chorar e não sei como, depois disso eu já estava em Nova Aurora com outra roupa, com toda a minha familia chorando. E eu novamente não entendi porque toda minha família estando junto podia estar chorando.
O cortejo chegou e meu tio estava lá, deitado naquele pedaço de madeira, rodeado de flores tristes. Minha mãe me pegou no colo e continuava chorando e disse "Dá adeus para o tio Bruna" e eu disse "Mas porquê dizer adeus, se ele apenas dorme". E daí minha mãe me disse que meu tio foi se juntar aos anjos e a Jesus e ele não ia mais acordar e naquele momento entendi realmente o que aquilo significava.
Não haveria mais ninguém pra me emprestar o quepe. Nem brincar comigo e as minhas bonecas. Nem nunca mais voltaria a andar de moto com ele. Não haveria mais copos gigantes de chocolate e ele nunca mais faria piadas.
Meu pai enquanto tudo isso só fazia a única coisa que sabe fazer: beber.
Não lembro de meu avô chorando. Lembro de seu olhar incorfomado do pai que perdeu o filho caçula. Do pai que cuidou dos nove filhos, dois pequenos de 3 e 2 anos (minha mãe e meu tio respectivamente) após a morte da esposa de 38 anos. Lembro do seu olhar que tentava acalmar a todos. E com uma força enorme sustentava todos os que pranteavam o filho. Lembro dele recebendo a bandeira nacional das mãos do capitão da Aeronáutica após os tiros da morte e o sepultamento. Meu avô sim era um pai. E uma fortaleza até o ultimo minuto.
Nesse dia tomei consciência de que nada é para sempre. Que as coisas e pessoas boas são breves, mas suas lembranças são eternas. Comecei aprender que pau que nasce torto nunca se endireita, seja no pior momento possível. Aprendi que com minha família a dor existe, mas na presença deles sou mais forte.
O resto dessa história eu publico no dia 20.
Beijos!
Olá BD+
ResponderExcluirLindo a forma carinhosa que falas do teu tio.Belo tributo que faz a ele.As dores nos deixa dois caminhos : Destruição ou da construçaõ.E vc soube se reconstruir a partir desta dura realidade da vida.O texto revela como foste forjada.
Parabéns.
Adorei ler esta passagem da tua vida e como pela primeira vez te deste conta do que é perder alguem que se quer muito
ResponderExcluirVoltarei mais vezes..
Beijitos da dona da Kika
Graça